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PL da Arbitragem: Comitê diz que empresas e advogados não foram ouvidos

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PL da Arbitragem: Comitê diz que empresas e advogados não foram ouvidos

01/08/2022 / Publicações / POSTADO POR Portal Valor

O Comitê Brasileiro de Arbitragem (CBAr) publicou um manifesto, nesta segunda-feira, contra a urgência na tramitação do projeto de lei que pretende alterar a Lei da Arbitragem para limitar a atuação dos árbitros (que atuam como juízes nos casos) e determinar que os procedimentos se tornem públicos. Tal requerimento pode ser votado em sessão da Câmara dos Deputados marcada para as 17h.

Se aprovado, o PL pode ser incluído para votação na sessão deliberativa seguinte, o que pode ocorrer, inclusive, no mesmo dia.

Segundo o CBAr, não houve nenhuma audiência pública sobre o tema. A entidade afirma ter encaminhado uma nota técnica para autora do PL, a deputada Margarete Coelho (PP-PI), e a todos os deputados federais em novembro de 2021. Até agora - oito meses depois -, não teve qualquer retorno.

Essa nota técnica, diz, foi referendada por 36 organizações. Dentre elas, câmaras de arbitragem de todo o país, seccionais da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), centros e institutos ligados à advocacia, federações de indústrias e entidades empresariais.

"O CBAr entende que uma intervenção estatal em uma atividade econômica do setor privado supõe que as partes afetadas sejam previamente ouvidas, o que não ocorreu neste caso", diz no documento. 

A arbitragem é um meio de resolução de conflitos alternativo ao Judiciário e tem, entre as principais características, a confidencialidade dos procedimentos. O projeto, se aprovado, portanto, mexe em toda a sua estrutura.

Especialistas dizem que se criaria um “frankenstein”, algo que não existe em nenhuma outra parte do mundo e que, certamente, deixaria de ser utilizado no país.

"Terá como resultado a redução de casos, a migração das arbitragens brasileiras para outros países e a eliminação do país como possível sede de arbitragens internacionais, gerando, ao fim e ao cabo, prejuízos à economia brasileira", afirma, em nota, o Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB).

Entidades criticam requerimento de urgência em PL que altera a Lei de Arbitragem — Foto: CRISTIANO MARIZ/Agência O Globo

A lei que está vigor atualmente - nº 9.307- existe há 25 anos e tem como raiz a lei modelo da Uncitral, órgão da ONU que estuda regras para o desenvolvimento do direito comercial mercantil. Sistema que, segundo o CBAr, está entre os mais eficientes e respeitados do mundo.

"O Brasil figura atualmente como um dos países mais representados em números de partes em arbitragens administradas pela Câmara de Comércio Internacional (CCI)", frisa, no manifesto divulgado hoje.

A arbitragem é praticada em câmaras privadas e muito usada pelas empresas para discutir questões contratuais, especialmente na área societária. A adesão ao mecanismo é voluntária entre as partes e feita por contrato celebrado entre elas.

Por meio desse sistema, árbitros são escolhidos pelas partes - geralmente, três - e decidem a disputa. Eles não necessariamente são advogados. As partes podem indicar profissionais especializados no tema em discussão. Um economista ou engenheiro, por exemplo.

A decisão proferida pelos árbitros é final. O Judiciário não pode interferir no mérito, dizer se a parte tem ou não razão no seu pedido ou defesa. Cabe somente o que se chama de “controle de legalidade”, para verificar, quando questionado pelas partes, se o procedimento ocorreu conforme estabelece a lei.

O projeto de lei que mexe nas regras - PL nº 3293 - foi protocolado pela deputada Margarete Coelho em outubro do ano passado e, desde lá, gera tensão no mercado da arbitragem. Os ânimos ficaram mais exaltados, no entanto, no mês passado, com a apresentação do pedido de urgência.

Esse requerimento está assinado por sete deputados líderes de partidos da base governista. Chegou a ser incluído na pauta do dia 14 de julho, mas acabou sendo retirado pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL) após reação negativa do mercado. Hoje, portanto, será a segunda tentativa de votação.

Há uma corrida entre os especialistas para tentar convencer os deputados a não levar o projeto adiante. O PL está, atualmente, na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) da Câmara e tem como relatora a deputada Bia Kicis (PSL-DF).

O Centro de Estudos das Sociedades de Advogados (Cesa), que representa mais de mil sociedades de advogados de todo o país, emitiu, há poucos dias, uma nota técnica sobre o tema. Diz, no texto, que "a votação do referido PL em momento pré-eleitoral, sem adequado debate envolvendo representantes da comunidade jurídica atuantes na área, representa grave risco à continuidade do desenvolvimento da arbitragem no país".

O PL que pode ser votado hoje trata de duas mudanças sensíveis: a divulgação de sentenças e a atuação dos árbitros. Limita, por exemplo, a quantidade de processos em que um mesmo profissional pode atuar - seriam, no máximo, dez -, impede que a mesma formação de um tribunal se repita em outro e determina que antes de aceitar o convite para atuar como julgador, o árbitro terá que revelar as arbitragens em que atua.

Na parte da justificativa do projeto, a autora, deputada Margarete Coelho, diz que a ideia “é aumentar a segurança jurídica e coesão das decisões”.

A visão de especialistas nessa área, porém, é completamente diferente. Além de desalinhar as regras do país com as praticadas no restante do mundo, dizem, haveria inconstitucionalidade. Ao limitar a atuação dos árbitros, por exemplo, se estaria cerceando a livre iniciativa. Seria como dizer a um médico quantos pacientes pode atender.

Advogados que atuam com arbitragem afirmam que pedidos de impugnação de árbitros são minoria. No Centro de Mediação da Câmara de Comércio Brasil-Canadá (CAM-CCBC), uma das principais câmaras do país, por exemplo, as decisões a respeito de pedidos de impugnação de árbitro somam menos de 1% de todos os casos em andamento.

Em 2021, havia 427 procedimentos em tramitação e apenas três decisões foram proferidas sobre impugnação de árbitros. Em todos os casos, os árbitros foram mantidos.

"A mudança na Lei de Arbitragem trará muita insegurança jurídica e graves impactos para todo o setor produtivo brasileiro. É imprescindível que as comunidades jurídica e empresarial e as entidades da indústria e comércio sejam ouvidas e que o projeto passe pelo rito padrão na CCJ. É preciso que haja diálogo, sobretudo, com quem será afetado diretamente pela mudança na legislação", frisa o CBAr.

O Comitê Brasileiro de Arbitragem é uma associação sem fins lucrativos, que tem como principal finalidade a difusão e o estudo acadêmico-científico da arbitragem e dos métodos extrajudiciais de solução de controvérsias. Conta com 1,3 mil membros. 

*O texto reflete a opinião dos autores e não representa o LexUniversal.

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