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Mediação desponta como alternativa para lidar com alta da inadimplência

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Mediação desponta como alternativa para lidar com alta da inadimplência

11/11/2022 / Publicações / POSTADO POR Jota

O Brasil tem batido recordes em número de inadimplentes. Em setembro, eram 68,4 milhões de brasileiros com contas em atraso – esse indicador cresceu todos os meses desde outubro de 2021, quando o país tinha cerca de 60 milhões nessa situação, de acordo com a Serasa Experian.

A tendência é que a inadimplência continue crescendo, já que a crise inflacionária e a perda de renda da população desde a pandemia da Covid-19 não foram estancadas. Esses motivos se somam ao aumento do superendividamento – que se intensificou à medida em que famílias acessam crédito a juros altos, movimento que ainda pode se intensificar com os empréstimos consignados direcionados aos beneficiários do Auxílio Brasil.

“Todos que usam cartão de crédito são endividados, o que não é ruim. O problema é quando há inadimplência, o que causa problemas ao mercado e às próprias famílias”, afirmou Luiz Rabi, economista-chefe da Serasa Experian, nesta quinta-feira (10/11), durante o 4º Congresso Internacional de Mediação, do Centro Brasileiro de Mediação e Arbitragem (CBMA).

Além disso, a preocupação é que essas dívidas e a potencial inadimplência pesam mais sobre famílias de baixa renda, o que pode comprometer sua subsistência. “O valor médio por pessoa também está aumentando, sendo que cerca de 30% dos brasileiros negativados têm pelo menos quatro contas em atraso”, apontou Rabi. Esse grupo é o que pode ter mais dificuldades para se livrar do tormento.

A necessidade de que o pagamento do compromisso não comprometa a subsistência dos consumidores foi um dos objetivos da Lei do Superendividamento (Lei 14.181/2021), sancionada em julho e que alterou o Código de Defesa do Consumidor. A lei fala em preservar o “mínimo existencial” do consumidor na repactuação de dívidas e na concessão de crédito. Este valor foi fixado em R$ 303 por um decreto presidencial.

Entre as possibilidades encorajadas pela legislação para quem já se encontra superendividado ou inadimplente está a exploração de medidas de resolução de conflitos alternativas ao Judiciário. Esse seria o caso da conciliação e da mediação.

“O consenso não precisa, necessariamente, ser buscado dentro do sistema de defesa do consumidor, como nos Procons. Nada impede que seja em outros espaços, inclusive privados”, apontou Werson Rego, desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. “Mas é preciso estabelecer acordos de cooperação técnica para criar protocolos a serem seguidos, para que o pactuado nesses espaços seja registrado também pelo Judiciário”, ponderou.

Embora tanto a conciliação quanto a mediação funcionem na contramão ao litígio, cada uma das modalidades apresenta peculiaridades que indicam os contextos em que seriam mais adequadas.

“Questões puramente patrimoniais deveriam ir para a conciliação; nesse caso, o conciliador é mais ativo, sugere propostas, dá choques de realidade. Já o mediador flerta com a psicologia ao trabalhar com questões mais sensíveis. Também não é ele quem pauta o acordo, então é exigida uma técnica muito delicada”, explicou

Nesse sentido, segundo ele, não é factível encaminhar todos os processos para a mediação – embora ela seja usado em cada vez mais cenários, como disputas societárias e nas relações público-privadas.

“Na situação de endividamento, o conflito não é entre credor e o devedor, mas entre os credores sobre quem vai receber primeiro. O limite do devedor é a própria renda. Essa é uma lógica com a qual não estamos muito acostumados a trabalhar”, avaliou Daniel Bucar, procurador-geral do município do Rio de Janeiro.

Para ele, a tentativa de se firmar acordos, e em qualquer tempo se um processo já foi iniciado é fundamental no caso das pautas sobre cobrança de dívidas.

“Precisamos caminhar um pouco na lei de superendividamento. Em muitos países, após a negociação, se não houver acordo, as dívidas são extintas. Nos Estados Unidos, isso acontece em 91 dias. Então o banco, quando vai negociar, sabe que precisa fazer um acordo”, defendeu.

Fomentar a mediação como forma de resolver conflitos sem recorrer à Justiça não depende de uma obrigatoriedade, e sim de mudanças culturais em relação à modalidade. Foi o que aconteceu no Equador, conforme relatou a advogada Ximena Bustamante, que foi diretora nacional de mediação da procuradoria-geral do país.

“A mediação é voluntária e faz parte da cultura legal e dos negócios no Equador. No começo, era como se nunca fosse funcionar. Essa situação mudou quando mostramos que casos realmente muito complicados podem ser resolvidos em mediação”, contou ela.

Em 1997, foi feita uma lei de que a mediação seria aceita sem que precisasse de uma ordem judicial para que ela fosse aplicada. Esse foi um dos primeiros passos que incentivaram a alternativa. O cenário mudou e, desde 2014, por lei, os juízes precisaram ser treinados em mediação. “Eles estão ativamente encaminhando casos para mediação. No começo eu não tinha concorrentes na mediação, mas agora tenho vários, pois se tornou a prática”, disse.

Além dos empurrões do Judiciário, outro catalisador seria a atuação dos advogados em apresentar essa possibilidade. “Muitos profissionais têm medo de perder controle dos clientes, do impacto econômico e de navegar em algo que eles não conhecem”, afirmou Bruce Edwards, que atua como mediador desde 1986 nos Estados Unidos e é sócio da empresa de mediação JAMS. “Mas isto não ocorre e nada é mais importante para mudar a cultura em favor da mediação do que obter o apoio dos advogados”, completou.

*O texto reflete a opinião dos autores e não representa o LexUniversal. 

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