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LGPD: como fica o videomonitoramento de funcionários por empresas?

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LGPD: como fica o videomonitoramento de funcionários por empresas?

06/12/2021 / Publicações / POSTADO POR Jota

A LGPD representa o principal marco regulatório de proteção de dados no Brasil. Por ser uma lei geral, espraia seus efeitos pelas mais diferentes áreas do conhecimento jurídico, impondo-lhes nova disciplina no tratamento de dados. Não poderia ser diferente no Direito do Trabalho, que contempla regras e princípios que regulamentam a relação de trabalho subordinado, marcada, dentre outras características, por um intenso fluxo de dados.

A nova tessitura normativa da proteção de dados impõe às empresas novas balizas procedimentais e materiais para o tratamento de qualquer dado na relação de trabalho. Quando se pensa nos reflexos da LGPD nas relações de trabalho, o debate passa pela permanente tensão entre o poder empregatício e os direitos fundamentais do empregado. O primeiro encontra fundamentos na livre iniciativa (artigo 1º, inciso IV, da Constituição) e na propriedade privada (artigo 170, inciso II); já o segundo encontra suporte nas garantias de inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da imagem (artigo 5º, inciso X), bem como no direito fundamental à proteção de dados pessoais.

Cediço de que nenhum direito é absoluto, pois não pode ser exercido em detrimento da ordem pública ou com desrespeito aos direitos e garantias de terceiros, é preciso encontrar a concordância prática das normas em conflito, eventualmente com concessões recíprocas. Muitas vezes, no limite do caso concreto, na hipótese de colisão de direitos fundamentais, é inevitável que se façam determinadas escolhas.

Especificamente no tocante à coleta e armazenamento de som e imagem por meio de sistemas de videomonitoramento, algumas questões práticas se colocam e são motivos de constantes indagações:

a LGPD contempla base legal para o tratamento de dados de empregados por sistemas de videomonitoramento?

em caso positivo, pode o empregador monitorar as obrigações contratuais por meio de sistemas de vídeo ou tal monitoramento só pode se dar para fins de segurança do local de trabalho?

em quais locais do ambiente de trabalho o empregador pode instalar câmeras?

é possível, em alguma hipótese, o uso de câmeras de forma oculta?

As respostas a tais indagações – e para toda e qualquer situação de tratamento de dados –, passa por duas grandes etapas: pelo exame da existência de uma base legal de tratamento, que deve estar prevista no artigo 7º ou no artigo 11 da LGPD; pela análise da observância dos princípios orientadores do tratamento de dados, previstos no artigo 6º da LGPD. Vale registrar que, em regra, o sistema de videomonitoramento não realiza a coleta de dados sensíveis dos empregados, razão pela qual a base de tratamento deve ser encontrada no artigo 7º da LGPD.

Dito de outro modo, antes de realizar qualquer tratamento de dados, o empregador deve sempre se fazer as seguintes perguntas, além de outras que as circunstâncias do caso concreto revelarem: há base legal na LGPD para o tratamento? Para qual finalidade os dados serão tratados (alguns exemplos: segurança do local e das pessoas, fiscalização do contrato de trabalho, mero prazer do empregador etc.)? A finalidade do tratamento é legítima? Os empregados foram previamente informados? A forma utilizada para o tratamento é adequada à finalidade informada? O tratamento é necessário? Existe outra forma menos invasiva, porém, tão eficaz quanto, para a consecução da finalidade informada?

A fim de sistematizar o entendimento, elenco algumas das situações mais recorrentes no cotidiano das relações de trabalho, que variam conforme a finalidade pretendida pelo empregador. Lembra-se que se entende por princípio da finalidade a “realização do tratamento para propósitos legítimos, específicos, explícitos e informados ao titular, sem possibilidade de tratamento posterior de forma incompatível com essas finalidades” (artigo 6º, inciso I, da LGPD).

1) Preservação da propriedade privada do empregador, bem como da incolumidade física dos empregados e consumidores

Se o vídeo monitoramento tem por única finalidade preservar a segurança na propriedade privada do empregador, bem como da incolumidade física dos empregados e terceiros, a base de tratamento existe e está prevista no artigo 7º, inciso VII, da LGPD: “para a proteção da vida ou da incolumidade física do titular ou de terceiro”. É o que se dá, por exemplo, nos casos de câmeras instaladas em veículos de transporte coletivos, onde há significativa incidência de crimes contra o patrimônio ou, até mesmo, para a tutela genérica da segurança, independentemente da natureza a atividade.

Não há dúvidas de que a finalidade é legítima. Além disso, a medida utilizada é adequada e proporcional, desde que não invada ambientes de privacidade e intimidade dos empregados, tais como refeitórios e vestiários.

Advirta-se que, neste caso, as imagens somente poderão ser utilizadas, em regra, para a finalidade previamente informada aos empregados: tutela da vida ou da incolumidade física do titular ou de terceiro.

Ainda nesta hipótese, pode-se indagar: qual a consequência jurídica caso a finalidade informada aos empregados for “a proteção da vida ou da incolumidade física do titular ou de terceiro” e o empregador passar a monitorar as imagens com finalidade diversa como, por exemplo, verificar as obrigações do contrato de trabalho? Neste caso, há nítido desvio de finalidade, o que torna o tratamento ilícito. A consequência será a nulidade de eventual penalidade aplicada com base nas imagens tratadas em desrespeito à LGPD.

Exceção a essa consequência pode ser verificada em casos concretos, quando, por exemplo, a falta cometida pelo empregado for extremamente grave, hipótese na qual o princípio da proporcionalidade poderá socorrer o intérprete. Pode-se imaginar situação na qual o empregado é flagrado pelas câmeras em ato de assédio sexual, hipótese em que não poderá o empregado invocar o argumento do desvio de finalidade como escudo para condutas graves.

2) Fiscalização das obrigações contratuais

Há base legal para o tratamento de dados destinado à fiscalização das obrigações contratuais (artigo 7º, inciso IX, da LGPD), pois o tratamento neste caso é necessário para atender aos interesses legítimos do controlador/empregador.

Lembre-se que aos empregadores é possível realizar o tratamento de dados dos empregados para propósitos legítimos, específicos, explícitos e informados ao titular, sem possibilidade de tratamento posterior de forma incompatível com essas finalidades, nos termos do artigo 6º, inciso I, da LGPD.

Com efeito, a fiscalização do contrato de trabalho é um propósito legítimo e específico. Além disso, é imprescindível que o empregador informe previamente aos empregados, de forma explícita, os propósitos do videomonitoramento. O ideal é que tudo isso já conste na política interna sobre tratamento de dados dos empregados. A medida também é adequada, pois há compatibilidade do tratamento com as finalidades informadas ao titular, de acordo com o contexto do tratamento (artigo 7º, inciso II, da LGPD).

A controvérsia maior reside no princípio da necessidade ou da minimização, assim entendido como a “limitação do tratamento ao mínimo necessário para a realização de suas finalidades, com abrangência dos dados pertinentes, proporcionais e não excessivos em relação às finalidades do tratamento de dados” (artigo 7º, inciso III, da LGPD).

No direito comparado, sobretudo em Espanha e Portugal, boa parte da doutrina defende que o controle por meios audiovisuais somente será proporcional e, portanto, legítimo, por exigências de segurança de pessoas e bens ou por particulares exigências inerentes à natureza da atividade. Além da presença de um interesse relevante por parte do empregador, é necessária a comprovação de inexistência de alternativa menos restritiva e menos intrusiva da privacidade do empregador. Defende-se que juntamente com a relevância do interesse do empregador, deve se ter em atenção a indispensabilidade e a minimização do tratamento de dados pessoais por parte do empregador.

Também nesse sentido dispõe o artigo 20 do Código de Trabalho português, segundo o qual “o empregador não pode utilizar meios de vigilância a distância no local de trabalho, mediante o emprego de equipamento tecnológico, com a finalidade de controlar o desempenho profissional do trabalhador”.

No Brasil, a Consolidação das Leis do Trabalho nada dispõe expressamente sobre os meios de fiscalização do contrato de trabalho pelo empregador. As respostas, em cada caso concreto, devem ser extraídas do ordenamento jurídico como um todo, notadamente da Constituição.

O Tribunal Superior do Trabalho (TST) já se manifestou, em diversas ocasiões, no sentido de que é possível ao empregador utilizar câmeras para monitorar o contrato de trabalho, exceto em locais destinados ao descanso (refeitórios, por exemplo) e momentos de intimidade (tais como vestiários).

Desse modo, o monitoramento dos empregados no ambiente de trabalho por meio de câmera, sem qualquer notícia a respeito de excessos pelo empregador, tais como a utilização de câmeras espiãs ou a instalação de câmeras em recintos destinados ao repouso dos funcionários ou que pudessem expor partes íntimas dos empregados, como banheiros ou vestiários, não configura ato ilícito, inserindo-se dentro do poder fiscalizatório do empregador.

Ainda, o procedimento não ocasiona significativo constrangimento aos funcionários, nem revela tratamento abusivo do empregador quanto aos seus funcionários, já que o monitoramento por câmera, a rigor, é feito indistintamente. Portanto, não afeta sobremaneira valores e interesses coletivos fundamentais de ordem moral.

Com efeito, a jurisprudência do TST possui entendimento no sentido de que a instalação de câmeras em área destinada à privacidade dos empregados não se justifica, pois não se trata de local de trabalho, mas, sim, de ambiente em que os funcionários trocam seu vestuário e guardam seus pertences particulares, de modo que o monitoramento invade a privacidade e a intimidade, constrangendo os trabalhadores, os quais ficam constantemente sob o manto da desconfiança, o que, por certo, fere a dignidade da pessoa.

Portanto, segundo a atual jurisprudência do TST, a fiscalização do contrato de trabalho por meio de câmeras de videomonitoramento, desde que impessoal e restrita aos locais nos quais os empregados desempenham suas obrigações, é medida legítima, proporcional e adequada. Mesmo com a entrada em vigor da LGPD, a tendência é que tal posicionamento se mantenha, sobretudo porque o princípio da proporcionalidade já encontra assento na Constituição desde 1988.

3) Fiscalização por meio de câmeras ocultas

Em regra, o monitoramento oculto é ilícito e as provas obtidas por tal meio também o serão e não poderão servir para fundamentar ou justificar a aplicação de penalidades. Como visto acima, o TST já afirmou que a utilização de câmeras espiãs é prática ilícita. Sobre o tema, a LGPD menciona expressamente que o tratamento de dados deve ser informado ao titular (artigo 7º, inciso I).

Igualmente, o princípio da transparência garante, aos titulares, informações claras, precisas e facilmente acessíveis sobre a realização do tratamento e os respectivos agentes de tratamento (artigo 7º, inciso VI). Da mesma forma, o artigo 10, § 2º, da LGPD prevê que “o controlador deverá adotar medidas para garantir a transparência do tratamento de dados baseado em seu legítimo interesse”.

Contudo, não se pode dizer, em absoluto, que todo e qualquer monitoramento oculto em vídeo será imprestável como meio de prova. Para ilustrar a situação, vem a calhar o recente e conhecido caso López Ribalda e outros v. Espanha, julgado em 17 de outubro de 2019 pela Corte Europeia de Direitos Humanos, que admitiu, em hipótese excepcional, a licitude do uso de câmeras ocultas no ambiente de trabalho. Para a Corte, somente uma exigência imperiosa relativa à proteção de interesses públicos ou privados significativos pode justificar a falta de informação prévia sobre o monitoramento.

A controvérsia consistiu em examinar possível violação do artigo 8º, item 1, da Convenção Europeia de Direitos Humanos, que consagra o respeito pela vida privada, diante do uso de câmeras ocultas instaladas pelo empregador.

No caso, os empregados trabalhavam como caixas e assistentes de vendas em um supermercado. O supermercado vinha sofrendo perdas econômicas. Para apurar essas perdas, o empregador decidiu instalar câmeras de vigilância. Algumas das câmeras eram visíveis por todos, enquanto outras estavam escondidas. Os trabalhadores foram notificados da presença de câmeras visíveis, mas não das que estavam ocultas. Os empregados foram dispensados quando imagens de vídeo mostraram que eles estavam roubando itens.

Em 28 de maio de 2018, o caso foi remetido para a Corte a pedido do governo espanhol. Ao analisar especificamente a exigência de transparência e o consequente direito à prévia informação, o tribunal afirmou que ambos eram de natureza fundamental, nomeadamente no âmbito das relações laborais, em que o empregador detém poderes significativos em relação aos trabalhadores e devem ser evitados abusos de tais poderes. No entanto, entendeu que uma exigência imperiosa relativa à proteção de interesses públicos ou privados significativos pode justificar a falta de informação prévia.

Para a Corte Europeia, embora não se possa aceitar a proposição de que, de um modo geral, a menor suspeita de apropriação indébita ou qualquer outro delito por parte dos funcionários poderia justificar a instalação de vigilância secreta via vídeo por um empregador, a existência de suspeita razoável de que graves más condutas foram cometidas e a extensão das perdas identificadas no caso parece constituir uma justificativa de peso.

Especialmente numa situação em que o bom funcionamento da empresa era ameaçado, não apenas pela suspeita de mau comportamento de um único empregado, mas pela suspeita de ação concertada de vários funcionários, que criava uma atmosfera geral de desconfiança no local de trabalho. Em conclusão, por 14 votos a 3, a Corte entendeu que o artigo 8º da Convenção Europeia de Direitos Humanos, que tutela a privacidade, não fora violado.

O caso López Ribalda e outros v. Espanha demonstra que nenhum direito é absoluto. Até mesmo a garantia de transparência (e seu contraponto, dever de prévio aviso quanto ao monitoramento) pode ceder diante das circunstâncias do caso concreto. Seja como for, é importante ressaltar a advertência feita pela própria Corte Europeia no sentido de que o monitoramento deve se limitar ao mínimo necessário para o atingimento das finalidades pretendidas. Igualmente, não se pode aceitar, de modo geral, que a mera ou menor suspeita de graves ilícitos ou de qualquer outro delito por parte dos empregados poderá justificar a instalação de videomonitoramento secreto pelo empregador. É indispensável a existência de suspeita razoável de que graves condutas foram cometidas, de preferência corroboradas por outros meios de prova.

Por Raphael Miziara

 *O texto reflete a opinião dos autores e não representa o LexUniversal.

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