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 Estruturação societária de DAOs no Brasil

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Estruturação societária de DAOs no Brasil

20/09/2022 / Publicações / POSTADO POR Conjur

Considerado um modelo inovador de organização (ou comunidade) de pessoas com um propósito e objetivo comuns, as DAOs (Decentralized Autonomous Organizations) têm como principais características o seu caráter autônomo e descentralizado e funcionamento distinto de uma estrutura de negócios tradicional.

Em outras palavras, pode-se definir as DAOs como organizações em que as decisões são executadas autonomamente por meio de uma série de smart contracts (contratos inteligentes), e em que não há uma hierarquia definida e todos os "membros" participam das deliberações conjuntamente de forma democrática e inclusiva.

Os smart contracts estabelecem a estrutura fundamental pela qual o DAO deve operar. Tais contratos são verificáveis e auditáveis para que qualquer membro possa compreender como o protocolo deve funcionar em cada etapa no blockchain. Uma vez que essas regras estejam detalhadas, é comum que a DAO busque, como um segundo passo, o seu financiamento. Isso normalmente é alcançado por meio da emissão de tokens, pela qual o protocolo vende tokens para arrecadar fundos para o funcionamento das operações da DAO.

Normalmente, qualquer pessoa que possua tokens vinculados a uma DAO pode votar em propostas, e seus votos são ponderados com base no número de tokens que possuem — semelhante aos direitos de voto associados às ações — ou em modelos diversos de governança, conforme abordado em outro artigo deste e-book. Se uma proposta obtiver votos suficientes, um smart contract será acionado e a deliberação aprovada será executada e registrada em sua blockchain para garantir a transparência e publicidade.

Tais características tornam as DAOs organizações inovadoras e disruptivas no cenário jurídico, tanto nacional quanto internacional, atraindo diversos interessados ao redor do mundo, uma vez que permitem a participação de pessoas de qualquer lugar do mundo em uma mesma organização e sem as restrições comuns de uma sociedade usualmente utilizada para realização de investimentos ou projetos em geral.

No entanto, são exatamente essas características que geram um risco de tais organizações serem enquadradas, no contexto jurídico do Direito Brasileiro, como sociedades de fato.

Este conceito do Direito Civil Brasileiro, o qual existe também em certos países europeus, como a França, e em países de common law no contexto de "general partnership", permite o enquadramento como uma sociedade quando existe uma comunhão de esforços com vistas a um objetivo comum, por exemplo, mesmo quando não existe nenhum ato constitutivo associativo arquivado nos registros aplicáveis.

De acordo com a jurisprudência nacional, os elementos normalmente apontados como decisivos para o reconhecimento de uma sociedade de fato são: a) a comunhão de esforços com vistas a um objetivo comum — o desenvolvimento de uma atividade econômica; b) a divisão dos lucros obtidos com a exploração da atividade; c) a participação ativa dos sócios na condução dos negócios; e d) a visibilidade externa da relação entre as partes como uma sociedade.

Uma vez reconhecida como uma sociedade de fato, as consequências podem ser particularmente importantes para os participantes de uma DAO. Um exemplo é a responsabilidade solidária e ilimitada dos sócios pelas obrigações sociais.

Apesar de não termos conhecimento, até o presente momento, de uma situação concreta em que tal enquadramento tenha sido aplicado no contexto jurídico nacional ou internacional, os riscos jurídicos associados a uma eventual desconsideração da estrutura da respectiva DAO e ou o enquadramento do empreendimento como uma "sociedade de fato" devem ser levados em consideração pelos seus participantes.

Diante dos riscos expostos acima e considerando que não há, no Direito Brasileiro, um regime jurídico que reconheça e determine uma natureza jurídica específica para as DAOs, cabe avaliar diferentes regimes jurídicos e analisar estruturas utilizadas ao redor do mundo para identificar aquela que potencialmente poderia ser implementada no contexto jurídico nacional — a exemplo da constituição de uma sociedade limitada ou de uma sociedade anônima, não obstante as restrições eventualmente trazidas por respectivos tipos societários.

É importante ressaltar que ainda estamos em um momento incipiente da evolução legislativa (a nível global) com relação ao tema, embora isso esteja começando a mudar. Assim como tem ocorrido atualmente no âmbito da regulação das criptomoedas, será preciso evoluir e aprofundar as discussões de forma a conceder às DAOs certa legitimidade de que precisam para melhor se estabelecerem e evoluírem como estruturas alternativas e, de certa maneira, mitigar eventuais riscos para o seu funcionamento e para seus participantes e terceiros, aliando uma melhor adequação e segurança para todos.

*O texto reflete a opinião dos autores e não representa o LexUniversal.


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