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A SAF, o Regime de Tributação Específica do Futebol (TEF) e outros aspectos tributários em jogo

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A SAF, o Regime de Tributação Específica do Futebol (TEF) e outros aspectos tributários em jogo

01/09/2022 / Publicações / POSTADO POR Bruno Felippe Almeida, Leandra Guimarães e Matheus Di Felippo Fabricio

A criação de uma nova empresa traz consigo inúmeras preocupações, como: (i) a forma legal de constituição e as consequências decorrentes; (ii) o modelo de governança e obrigações a que ela estará sujeita; (iii) a inserção no mercado e os possíveis concorrentes; (iv) a viabilidade financeira; (v) a tributação que será atraída, entre tantas outras. Na constituição de uma Sociedade Anônima do Futebol - SAF não poderia ser diferente.

Oriunda de projeto de lei apresentado ainda em 20191, muito já foi veiculado no sentido de que a Lei nº 14.193/2021, nominada “Lei da SAF”, veio para reformular, revitalizar e modernizar o mercado futebolístico brasileiro, há tempos em crise. Assim, mesmo com a bola em jogo desde agosto de 2021, para fins da tomada de decisão pelos clubes, várias particularidades, obscuridades e controvérsias da norma, vêm à tona, as quais devem ser superadas para que a SAF, ainda que recém-constituída, não entre em desvantagem no jogo.

Quando o assunto é tributação, a já conhecida complexidade do nosso sistema tributário se faz presente. No entanto, apesar de a Lei da SAF ainda deixar no campo das dúvidas alguns aspectos tributários que podem decorrer da operação da SAF, em regra, a intenção do legislador parece ter sido facilitar a vida da empresa, tanto em relação a carga tributária, quanto ao cumprimento das obrigações acessórias. Mas teve chute que bateu na trave, como no caso dos rendimentos das Debêntures – FUT, os quais permaneceram sujeitos à tributação, haja vista o veto ao parágrafo 2º do artigo 26 da Lei da SAF, que previa tributação à alíquota zero como incentivo ao financiamento aos investimentos da SAF quando os beneficiários fossem pessoas físicas residentes no Brasil2. 

A avaliação do custo tributário na operação de uma atividade é ponto central na tomada de decisão de muitas organizações, visto que os impostos e contribuições podem onerar sobremaneira o fluxo de caixa e a saúde operacional das sociedades empresárias. Isso quer dizer que é necessário e prudente que se avalie a potencial carga tributária de uma SAF antes mesmo do juiz apitar o início da partida.

A SAF está sujeita ao intitulado Regime de Tributação Específica do Futebol –TEF, o qual aparentemente é de aplicação obrigatória e muito se assemelha a um regime simplificado de tributação. Na forma dos artigos 31 e 32 da Lei da SAF, nos primeiros 05 anos de existência da Sociedade, a tributação equivalerá à aplicação da alíquota de 5% sobre todas a receitas, excetuando-se apenas aquelas decorrentes da cessão dos direitos desportivos dos atletas, as quais passam a ser incluídas na base de cálculo do TEF tão somente a partir do 6º ano, em contrapartida da redução da alíquota para 4%.

É importante destacar que o recolhimento dos tributos no âmbito do TEF será efetuado com base no regime de caixa, mensalmente, de maneira unificada, até o vigésimo dia do mês subsequente ao efetivo recebimento da receita. 

O TEF compreende os seguintes impostos e contribuições: (i) IRPJ, (ii) CSLL, (iii) Contribuição para o PIS/Pasep, (iv) Cofins e (v) Contribuições Previdenciárias sobre a folha de salários (20% sobre as remunerações pagas a empregados; as destinadas ao custeio dos benefícios concedidos em razão dos riscos ambientais do trabalho (RAT); a de 20% sobre pagamento de autônomos e administradores (contribuintes individuais que prestem serviços para a pessoa jurídica). Por outro lado, o TEF não exime a SAF das seguintes incidências: I - IOF; II - IR sobre rendimentos ou ganhos líquidos em aplicações de renda fixa ou variável, sobre ganho de capital na venda de imobilizado, bem como sobre pagamentos ou créditos efetuados pela SAF a pessoas físicas; III - FGTS; e IV - demais contribuições instituídas pela União.

Em face da previsão da tributação em separado dos ganhos líquidos financeiros e ganhos de capital, mesmo que a legislação tenha sido específica apenas no que se refere à venda do imobilizado, não cotejando intangíveis ou investimentos, por exemplo, cogita-se que tais ganhos deverão ser tributados pelo imposto de renda segundo o regime do Lucro Presumido ou Lucro Real, conforme estiver a SAF obrigada à tributação pelo regime do Lucro Real ou facultada à opção pelo regime do Lucro Presumido. Isto é, o TEF seria uma espécie de RET (Regime Especial de Tributação) dentro do regime do Lucro Real ou do Lucro Presumido. Entretanto, muito embora até o momento não tenha sido esclarecido de maneira cristalina os procedimentos para a tributação completa, é provável que este seja o rumo do jogo.

Outro ponto que merece atenção é que o TEF não abrange o ISS (alíquota que pode variar de 2% a 5%), que, em princípio, incide sobre as receitas da SAF com eventos desportivos, e pode vir a incidir sobre patrocínios, licenciamento, uso de marcas e símbolos, publicidade e propaganda, programas de sócios torcedor, em face do conceito de serviços que vem sendo adotado pelo Supremo Tribunal Federal – STF. O que se sabe é que tal assunto é uma bola dividida, vide decisões proferidas para os times de São Paulo, como Corinthians, Palmeiras e São Paulo, onde se entendeu por afastar muitos dos autos de infrações levantados pela Prefeitura Paulista em relação à cobrança de ISS sobre atividades desenvolvidas pelos clubes3.

O problema é que a bola corre mais que os homens4, o jogo já está avançado, e a avaliação dos impactos tributários para fins da tomada de decisão de se transformar ou não em SAF não é das mais fáceis. Até porque, outros pontos controvertidos além da carga tributária da própria SAF permeiam os reflexos tributários trazidos pela Lei nº 14.193/2021.

Nessa coletânea, já publicamos artigos acerca do Regime Centralizado de Execuções (“RCE”)5 e sobre as formas de se constituir uma SAF6, existindo aspectos pertinentes e reflexos tributários intrigantes às previsões legais abordadas nos referidos artigos. 

Quando o assunto é dívida do clube ou da pessoa jurídica original anteriores à constituição da SAF, em regra, serão como águas passadas e não moverão o moinho da SAF. A cuidadosa leitura e interpretação dos artigos 9 a 13 da Lei da SAF parece permitir concluir que, como regra geral a SAF não arcará com dívidas do clube, anteriores ou posteriores ao seu nascimento, exceto aquelas as obrigações atreladas ao objeto social da SAF, que lhe tenha sido transferida no bojo de cisão como forma de constituição, porém permaneceram no clube ou pessoa jurídica original. E é em função dessa exceção que alguns desdobramentos tributários precisarão do VAR7.

No ponta pé inicial da discussão é necessário evidenciar que essas dívidas que não foram para a SAF e que farão parte de algum tipo de plano para pagamento aos credores (RCE ou recuperação judicial ou extrajudicial), não contemplam obrigações de natureza tributária. Assim sendo, os passivos tributários federais, do clube ou da pessoa jurídica original, anteriores à criação da SAF, são passíveis de liquidação através de transação com a Fazenda Pública, Autarquia, Fundações, com a própria União, entre outros, nos termos da Lei nº 13.988 de abril de 2020, caso não tenham sido incluídos em algum tipo de refinanciamentos ou parcelamento do governo federal, tal como, por exemplo, o PROFUT8. Seria também possível refinanciar ou transacionar os débitos tributários junto aos Municípios e, eventualmente, junto aos Estados.

As dívidas, tributárias ou não, que ficarem no clube ou pessoa jurídica original, serão de responsabilidade destes e serão liquidadas por meio de receitas próprias, juntamente com as seguintes receitas que serão transferidas pela SAF, resumidamente: (i) por destinação de 20% das receitas mensais se a pessoa jurídica original ou clube optar pelo RCE e 50% dos dividendos, dos juros sobre o capital próprio (JCP) ou outra remuneração, se houver condição de acionista.

Em face da destinado aos 20% da receita da SAF para o clube, poderá ser atraída a velha e amarga discussão acerca da tributação de receitas que não são derivadas de suas atividades próprias, o que acabaria por acarretar a tributação da Cofins, sendo afastada a isenção, visto que, as receitas do objeto social “Futebol” se encontram agora na SAF, sendo tão somente receitas do clube ou pessoa jurídica original, as residuais.

No que tange à destinação de 50%, entre outras remunerações dos acionistas, dos JCP, apesar de, inicialmente, não nos parecer instituto atraente para uma sociedade sujeita ao TEF, por não ter impacto favorável na carga tributária da SAF, uma vez que não se utiliza da dedução de despesas de JCP em relação às receitas abrangidas no TEF, sua distribuição não é vedada e, eventualmente, poderá até favorecer a apuração da tributação das receitas financeiras e ganho de capital se for cabível o regime do Lucro Real. Acreditamos, conforme mencionado em outro artigo9, que o intuito inicial do legislador foi de eventual proteção aos credores, evitando que o pagamento de JCP fosse um canal de renumeração ao Clube, na condição de acionista, que pudesse ser integralmente destinada a outros fins que não a liquidação das dívidas mantidas no Clube. 

Fato é que a Lei está aí e os clubes também; alguns precisando ou podendo se beneficiar dela mais, outros menos e em diferentes circunstâncias. Em todo caso, é certo que antes da partida começar, várias premissas devem ser escaladas, a fim de que haja a maior e melhor previsibilidade dos toques e passos que serão necessários para que as consequências tributárias joguem bem com as demais estratégias envolvidas e não acabe se tornando uma falta no meio do jogo.

Bibliografia:

BRASIL. Lei nº 14.193, de 6 de agosto de 2021. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2021/Lei/L14193.htm. Acesso em: 09 de julho de 2022.

BRASIL. Mensagem nº 388, de 06 de agosto de 2021 (Razões de Veto). Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2021/Msg/VEP/VEP-388.htm Acesso em: 10 de julho de 2022.

BRASIL. Ato Declaratório Executivo nº 6, de 17 maio de 2022. http://normas.receita.fazenda.gov.br/sijut2consulta/link.action?visao=anotado&idAto=124106 Acesso em: 10 de julho de 2022.

Justificação do Projeto de Lei da SAF. Disponível em: https://www.hojeemdia.com.br/esportes/senador-rodrigo-pacheco-apresenta-projeto-para-fortalecer-poder-financeiro-dos-clubes-1.748841. Acesso em 11 de julho de 2022.

Azevedo Sette Advogados. O Juiz apita, começa o jogo e agora? Como a SAF pode ser constituída? Disponível em: Notícias & Trabalhos Recentes | Azevedo Sette Advogados. Acesso em 13/08/2022

Azevedo Sette Advogados. Regime Centralizado de Execuções. Uma modalidade de pagamento dos credores. Disponível em: Notícias & Trabalhos Recentes | Azevedo Sette Advogados. Acesso em 13/08/2022

Azevedo Sette Advogados. “Futebol, a coisa mais importante das menos importantes” – A responsabilidade da SAF pelos créditos anteriores à sua constituição e repasse de recursos para a associação. Disponível em: Notícias & Trabalhos Recentes | Azevedo Sette Advogados. Acesso em 17/08/2022

DAMATTA. Roberto. A bola corre mais que os homens: duas copas, trezes crônicas e três ensaios sobre futebol.

VALOR. Clubes de futebol conseguem na Justiça afastar cobrança de ISS. Disponível em: Clubes de futebol conseguem na Justiça afastar cobrança de ISS | Legislação | Valor Econômico (globo.com) Acesso em 13 de agosto de 2022.

VALOR. Justiça livra times paulistas de ISS sobre programas de sócio-torcedor. Disponível em: Justiça livra times paulistas de ISS sobre programas de sócio-torcedor | Legislação | Valor Econômico (globo.com) Acesso em 13 de agosto de 2022.

VALOR. Corinthians afasta na Justiça cobrança milionária de ISS. Disponível em: Corinthians afasta na Justiça cobrança milionária de ISS | Legislação | Valor Econômico (globo.com) Acesso em 13 de agosto de 2022.

JOTA. O Regime de Tributação Específica do Futebol. Disponível em: O Regime de Tributação Específica do Futebol – JOTA. Acesso em: 15 de agosto de 2022.

MIGALHAS. A debênture-fut (criada pela Lei Rodrigo Pacheco). Disponível em: https://www.migalhas.com.br/coluna/meio-de-campo/353427/a-debenture-fut-criada-pela-lei-rodrigo-pacheco. A debênture-fut (criada pela Lei Rodrigo Pacheco) – Migalhas Acesso em 15 de agosto de 2022.

LEI EM CAMPO. Debêntures-fut: solução ou empecilho para a lei da Sociedade Anônima no Futebol? Disponível em: Debêntures-fut: solução ou empecilho para a lei da Sociedade Anônima no Futebol? – Lei em Campo Acesso em 15 de agosto de 2022

CONJUR. ConJur - Paiva e Braz: A tributação da SAF e da entidade sem fins lucrativos. Disponível em: ConJur – Paiva e Braz: A tributação da SAF e da entidade sem fins lucrativos Acesso em 15 de agosto de 2022.

1 Vide notícia de projeto lei apresentado pelo Senador Rodrigo Pacheco, em outubro de 2019.

2 § 2º do art. 26 do Projeto de Lei: § 2º Os rendimentos decorrentes de aplicação de recursos em debênture-fut sujeitam-se à incidência do imposto sobre a renda, exclusivamente na fonte, às alíquotas de: I - 0% (zero por cento), quando auferidos por pessoa natural residente no País; e (...)

3 Conforme matérias veiculadas pelo Valor. Referenciadas na bibliografia.

4 Citação do título do livro de Roberto DaMatta: “A bola corre mais que os homens: duas copas, trezes crônicas e três ensaios sobre futebol”

5 Conforme Regime Centralizado de Execuções. Uma modalidade de pagamento dos credores – Artigo Azevedo Sette Advogados

6 Conforme O Juiz apita, começa o jogo e agora? Como a SAF pode ser constituída?  – Artigo Azevedo Sette Advogados

7 Abreviação para ‘Video Assistant Referee’, sistema de apoio ao vivo, durante o jogo, para os árbitros.

8 Lei nº 13.155/2015 - Profut (Programa de modernização da gestão e de responsabilidade fiscal do futebol brasileiro)

9 Conforme “Futebol, a coisa mais importante das menos importantes” – A responsabilidade da SAF pelos créditos anteriores à sua constituição e repasse de recursos para a associação – Artigo Azevedo Sette Advogados

*O texto reflete a opinião dos autores e não representa o LexUniversal.

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