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Os impactos jurídicos da pandemia no setor de startups brasileiro

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Os impactos jurídicos da pandemia no setor de startups brasileiro

09/02/2021 / Publicações / POSTADO POR Jota
O surgimento da pandemia relacionada ao Sars-Cov-2 (coronavírus) impactou negativamente a economia de diversos países pelo mundo, e não foi diferente no Brasil. No setor empresarial, as medidas econômicas adotadas pela União em relação às micro, pequenas e médias empresas gravitam, em regra, em torno da concessão de linhas de crédito com zero de spread bancário — afasta-se o lucro das instituições financeiras neste tipo de operação, por meio das instituições financeiras participantes [1] —, como por exemplo o Programa Emergencial de Suporte e Empregos estatuído na Medida Provisória nº 944 de 2020, que trouxe diversos incentivos para manutenção de empregos por parte das empresas aderentes. Nota-se que todas as medidas são plenamente aplicáveis àqueles empreendimentos que já estão em fase operação madura, ou seja, empreendimentos regularizados e estáveis, os quais contam com equipe e contratos (com fornecedores e parceiros) já em curso. Com as startups que já se encontram na fase de guinada (scale-up) — superados os estágios de idealização do empreendimento e tração — não seria diferente, pois, em tese, estão habilitadas, desde que preenchidos os requisitos legais, a perceberem os incentivos estatais para estabilizar seu negócio em tempo de crise, mesmo sendo uma pequena fração das startups brasileiras. Ainda assim, existem casos em que os incentivos também não são suficientes. No atual cenário, ainda é possível vislumbrar entradas para fintechs — acesso ao crédito pelo BNDES [2] — e startups do setor de saúde pela campanha StartupsxCovid19 [3], inaugurada pela Comunidade Governança & Nova Economia, com suporte da Abstartups, que confere aos empreendedores a possibilidade de aceleração pelo respectivo programa como fuga dos efeitos da crise. Porém, a situação é mais grave no cenário em que as startups — não compreendidas nos seguimentos saúde e sistema financeiro — estão em fase inicial de desenvolvimento. Neste estágio, os novos empreendedores se deparam, quase em sua totalidade com (i) a escassez de recursos financeiros, o que acarreta impactos estruturais no progresso da startup, a começar pela manutenção e contratação de pessoas indispensáveis para o sucesso do empreendimento e (ii) com a redução de oportunidades de investimentos no setor de empreendedorismo de alto risco [4]. Nesse contexto, evidencia-se saber em que medida o atual cenário de pandemia impactou as relações contratuais de investimento em curso e os reflexos a respeito da captação de investimento pelas startups. Nos contratos de investimentos firmados com investidores-anjos, sob a égide da Lei Complementar nº 155/2016, existe a peculiaridade de ser firmado, regra geral, com pessoas físicas que aportam capital próprio em dado empreendimento, sem implicar na participação societária na startup investida. As disposições normativas introduzidas pela Lei Complementar (LC) nº 155/2016 permitem uma série de vantagens aos investidores, como: (i) proteção do investidor-anjo quanto aos riscos de responsabilização pelo empreendimento (art. 61-A, §4º, III, da LC nº 123/06); (ii) direito de resgate dos valores investidos após o período de dois anos (art. 61-A, §7º da LC nº 123/06); e (iii) direito de preferência e venda conjunta (tag along) da participação societária dos fundadores da startup (art. 61-C da LC nº 123/06). Quanto aos últimos dois pontos, é insuscetível de dúvida que o atual cenário econômico influenciará na tomada de decisão das partes envolvidas. Nos casos em que existe o transcurso do prazo de dois anos ou mais do aporte de capital pelo investidor, escapando a vedação prevista no art. 61-A, §7º, da LC nº 123/06, existirá o risco de comprometimento dos negócios que dependam somente deste tipo de investimento, pois caberá ao investidor-anjo, e somente a ele, decidir pelo prosseguimento da aplicação de recursos na startup que se encontra deficitária em razão da crise econômica. Em dada hipótese, restaria aos fundadores do empreendimento buscarem a variação de investidores, observadas as cláusulas contratuais específicas do investimento já firmado, ou até mesmo reestabelecer nova avença com o investidor-anjo em relação a sua permanência no negócio, seja prevendo remuneração variável nos próximos períodos ou retirada parcial do capital aportado na empresa. Em relação à clausula de tag along, em que esse tipo de cláusula contratual busca a proteção de sócios minoritários em caso de alienação das participações societárias dos fundadores a terceiros, permitindo, desta forma, a venda conjunta para que não permaneçam em sociedade com pessoas (físicas ou jurídicas) que não guardam qualquer affectio, a sua aplicação no momento não se revela tão simples. Por óbvio, a cláusula será acionada apenas em caso de saída de investimento dos fundadores, o que, na atual conjuntura econômica, deve se dar com devida cautela. Isso porque o valuation da startup negociada em tempos de crise pode não corresponder com o real potencial do empreendimento negociado, visto que a técnica de avaliação a ser aplicada geralmente é o Fluxo de Caixa Descontado (FCD), em que se mensura o fluxo de caixa futuro, somando-se o seu valor atual e abatido o risco e fator tempo atrelados aos prognósticos estabelecidos. Ou seja, todos os elementos que compõem a análise do valor real do negócio podem estar encalçados às situações de curtíssimo prazo, como por exemplo, o fechamento do comércio em razão da pandemia e alta nos preços de insumos da atividade econômica. Ainda, é comum no ecossistema de startups brasileiro o investimento por pessoas jurídicas de direito privado, denominadas aceleradoras, que em troca da oferta um pacote de vantagens à startup (capital, networking, espaço de instalação, cursos, etc) adquirem o direito de participação societária na sociedade investida. Notadamente, o risco do investimento faz com que as aceleradoras estabeleçam cláusulas que lhe conferem uma gama de direitos em face da sociedade de investida, que, diante da crise epidêmica que assola a economia em escala mundial, podem ser acionados para minimização das perdas da empresa investidora. Ordinariamente, é comum a previsão de cláusulas que preveem hipóteses de saída do empreendimento ou desinvestimento na startup, o que seria o pior cenário na atual conjuntura econômica. Além disso, ressalta-se também as cláusulas de direito de preferência em caso de venda de participação e drag along (favorecimento aos acionistas majoritários), que, apesar de serem usuais, podem ser acionadas para minorar os prejuízos financeiros de quem investe neste momento. Na hipótese em que um dos fundadores realiza alienação de participação societária — por exemplo —, a empresa aceleradora poderá adquiri-las, exercendo seu direito de preferência, com base nos valores atuais, ou seja, em valores abaixo do que adquiria caso o cenário econômico estivesse em estado de normalidade, podendo, inclusive, torna-se sócia controladora da startup, visto que os fundadores, na maioria dos casos, não possuem capital suficiente para manterem suas posições societárias. Sob outro prisma, a sócia controladora poderá optar a saída do investimento com a alienação da sua participação societária para terceiros, obrigando até mesmo os fundadores, por meio da cláusula drag along, a venda de suas participações societárias enquanto minoritários. Portanto, vislumbra-se que a crise econômica pode dar novos contornos aos institutos corriqueiros em contratos de investimento de startups, exigindo das partes o traquejo para recompor o equilíbrio contratual no sentido de fomentar o empreendimento ao sucesso. Além disso, cabe à startup investida e ao investidor mensurarem o risco da negociação da participação societária em tempos de crise, dado que uma decisão precipitada ensejará perda de oportunidade e pecuniária de ambas as partes. Assim, o (i) gerenciamento de riscos e o (ii) reequilíbrio contratual são os pilares atuais diante da pandemia para que o empreendimento investido se estabilize, sob pena de lesar a startup, os investidores e em última instância a ordem econômica nacional.

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