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O mercado regulado de carbono no mundo

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O mercado regulado de carbono no mundo

24/06/2022 / Publicações / POSTADO POR Portal Valor

Em maio desse ano, foi publicado o Decreto federal 11.075 que instituiu o Sistema Nacional de Redução de Emissões de Gases de Efeito (Sinare) e estabeleceu o procedimento para elaboração dos planos setoriais de mitigação das mudanças climáticas. Porém, muito se tem comentado sobre o fato de o decreto não estabelecer um mercado de carbono propriamente dito e conter diversos aspectos que dependem de regulamentação futura, além de não ser tão substancial quando comparado com os textos dos projetos de lei que tramitam no Legislativo para implementação do mercado de carbono no Brasil.

Os seguintes elementos são semelhantes ao que já existe em outros países: imposição via ato normativo de que o governo colocará limites de emissões (ou obrigações de redução) a certos setores econômicos responsáveis pelas emissões nacionais; reconhecimento de que as compensações de carbono serão regulamentadas com o objetivo de apoiar o uso pelos setores abrangidos pelo decreto; reconhecimento de que as compensações de carbono poderão ser negociadas, com menção ao papel dos mercados internacionais; definição de um registro eletrônico central único.

Esse mercado só será operado com todo o seu potencial se o modelo adotado pelo Brasil for reconhecido pelos seus pares

A principal diferença, no entanto, é a de que o Brasil está adotando, um mecanismo de metas de redução com enfoque setorial sem dar o passo anterior de criação de um sistema de comércio de emissões propriamente dito (“cap and trade”), que pressupõe um limite de emissões, regras para distribuição das permissões, uso de “offsets”, mecanismos de controle de preço e proteção da competitividade.

A maioria dos mercados de carbono regulados (como os da Califórnia, nos Estados Unidos, Europa, México, Coreia) utilizam um sistema cap and trade como princípio básico. Por esse princípio, os reguladores estabelecem um nível total de emissões anuais permitidas (limite/cap) e leiloam as permissões ou direitos de emissões (allowances) para as empresas que estão sujeitas ao regulamento. Por sua vez, elas podem negociar as permissões entre si (aquele que emitiu a mais necessitará comprar permissões adicionais e o que emitiu abaixo do limite permitido poderá vender as permissões excedentes), resultando no estabelecimento de um preço do carbono equivalente.

Isso pressupõe um planejamento e um plano nacional de alocações, definindo quais setores serão regulados, fases e períodos de compromisso, qual o limite anual (cap) para os gases de efeito estufa contemplados e quais os critérios para leilão / distribuição dessas permissões (gratuito ou oneroso). No caso de alocação gratuita, existem duas técnicas consagradas: “grandparenting” (o direito de emissão é alocado de acordo com a participação do setor regulado na emissão total conforme seu nível histórico médio de emissões, o que acaba refletindo o estágio recente do perfil das emissões) ou “benchmarking” (direito de emissão é alocado de acordo com o produto do nível médio da atividade produtiva pela intensidade de emissão do produto considerada como eficiente).

Outro ponto relevante em mercados de carbono mais maduros diz respeito ao uso de offsets. A regulamentação do mercado de carbono poderá permitir que uma parte das emissões de uma fonte regulada seja compensada com créditos de carbono de fontes não reguladas. Em cada país, as fontes de offset podem variar (as mais comuns são opções florestais, agropecuária, saneamento) e há um limite máximo permitido, geralmente entre 5% e 11%. O regulador costuma exigir que haja fungibilidade (troca) desses créditos de offset com os direitos de emissão gerados no sistema de comércio e por esse motivo os créditos devem ser validados e verificados de acordo com as metodologias aceitas pelo regulador, visando garantir que a meta de emissões agregada como um todo seja mantida.

Existem também técnicas de controle de preço que são geralmente utilizadas quando há aumento ou redução inesperados dos preços das permissões ou direitos de emissões. Um exemplo é a adoção de preço mínimo ou um preço máximo (price floor and ceiling). Há também a possibilidade de ajustes temporais com as técnicas de banking (uso dos direitos de emissão de um ano para o outro, desde que no mesmo período considerado) e borrowing (uso dos direitos de emissão futuros de forma antecipada). Esses elementos não encontram previsão específica no decreto federal.

Outro ponto importante diz respeito à proteção da competitividade. O sistema deve considerar os custos de participação dos entes regulados e de monitoramento da autoridade reguladora, além da minimização do risco de perda da competitividade do setor regulado que acabaria - em razão dos custos - buscando produção alternativa fora do setor. Pretende-se, dessa forma, evitar o risco de vazamento das emissões, ou seja, aumento do número de emissões fora da jurisdição regulada por conta do crescimento das importações resultante da perda de competitividade da produção nacional com a meta de precificação estabelecida.

O recente decreto não chega a contemplar os aspectos aqui citados detalhadamente. O caminho a ser trilhado pelo Brasil ainda exige o amadurecimento do tema. O que todos concordam é que precisamos urgentemente estabelecer um sistema que traga conforto aos investidores, espelhando-se nos modelos adotados internacionalmente. Esse mercado só será operado com todo seu potencial se o modelo adotado pelo Brasil for reconhecido pelos seus pares.  

*O texto reflete a opinião dos autores e não representa o LexUniversal. 

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